Antes de qualquer formalização de um compromisso definitivo de compra e venda de um imóvel rural, é imprescindível observar algumas regras básicas, as quais devem ser analisadas com absoluto critério através de um processo chamado nos meios jurídicos de due diligence para imóveis rurais, termo de origem na língua inglesa que traduzido na sua literalidade significa “diligência devida” ou “diligência prévia”, que deriva de um conceito do Direito Romano – “diligentia quam suis rebus” – que significa a diligência de um cidadão em gerenciar suas coisas. Este processo atesta ao final tratar-se de uma aquisição idônea, oferecendo às partes a necessária segurança jurídica, em especial ao adquirente.
A mensagem trazida pelo Direito Romano e introduzida no Direito Norte-americano acena para a necessidade de as partes envolvidas na negociação buscarem amplas informações acerca da real situação envolvendo a “coisa” negociada, a fim de identificar os riscos os quais as partes estarão sujeitas, acaso formalizada a transação, realizando assim uma auditoria preventiva ao fechamento de negócios jurídicos.
Tal conduta foi amplamente difundida e aplicada no ramo empresarial, especialmente nas operações de fusões, cisões e aquisições de empresas, quando o pretendente investidor busca diligenciar informações sobre a situação financeira, contábil, fiscal, trabalhista, previdenciária, patrimonial, ambiental, tecnológica e jurídica em geral da sociedade empresária, ocorrendo em decorrência da complexidade e magnitude do negócio, tornando-se imprescindível revelar a “fotografia” precisa do negócio/empreendimento aos envolvidos.
Entretanto, hoje, a due diligence para imóveis rurais ou juridicamente, Due Diligence Legal (DDL) de imóvel rural, é uma atividade extrajudicial importante nos ramos dos direitos imobiliário e agrário voltada para auxiliar na tomada de decisão nos mais diversos negócios existentes, especialmente nos contratos de compra e venda. Se trata de uma auditoria ou procedimento sistemático de análise e avaliação profunda de documentos que estuda a viabilidade e segurança jurídica de quem pretende adquirir ou alienar imóvel rural, ou simplesmente usar e fruir sem imprevistos que prejudiquem a continuidade da posse direta de imóvel rural e a colheita da produção rural.
É uma consultoria imobiliária anterior à tomada de decisão de como negociar o imóvel rural, obtendo relatório jurídico conclusivo de providências recomendadas. A consultoria direcionará as soluções com o objetivo de viabilizar o negócio a ser celebrado com o máximo de segurança jurídica possível, seja para eliminação ou mitigação de riscos, além de recomendações de cláusulas contratuais específicas. Em algumas circunstâncias, visualiza-se o alto grau de risco ou de entrave jurídico para a negociação. Portanto, a recomendação, nestes casos, pode ser para não seguir com o contrato.
Para o Direito, a realização de diligências básicas, é quase “requisito legal”, pois, embora não obrigatória, o entendimento pacificado é de que não se pode socorrer na boa-fé, por exemplo, aquele que podia realizar diligências e não o fez. Entendimento igualmente estampado por intermédio da máxima “O Direito não socorre aquele que dorme”. Ou seja, se a parte contratante poderia ter se acautelado por intermédio de diligências e não o fez, e se houver problemas jurídicos posteriores, suas teses de defesa ficam minimizadas.
Por muitas vezes, diante de uma proposta comercial tentadora e a necessidade imperiosa de empreender ou produzir, que acarretam a urgência de fechar o negócio jurídico imobiliário, conduz o proponente consulente a assumir riscos e, consequentemente, a sofrer prejuízos, principalmente se ocorreu pagamento de parte ou total do preço pactuado. Tal circunstância poderá ocasionar percalços, entraves e dor de cabeça para exercer os plenos poderes de proprietário. A rapidez ao fechar o negócio sem observar aspectos cruciais acabará esbarrando na não efetivação do mesmo e no dito popular: “pagou, mas não levou”, circunstância nunca desejada por qualquer das partes, sendo a DDL o meio de evitar essa situação.
Infelizmente, não é pouco comum os adquirentes de imóveis se depararem com decisões judiciais de anulação, declaração de nulidade absoluta e ineficácia do negócio jurídico concluído, muitas vezes posteriores ao pagamento do preço na compra e venda.
É possível ainda firmar uma promessa de compra e venda, que é uma espécie de “pré-contrato”, condicionando a contratação definitiva a realização de DDL. Assim, verificando-se algum impedimento à concretização do negócio, e caso tenha sido feito um pagamento a título de sinal (boa-fé), este será devolvido a parte inocente, ou seja, aquele que não deu causa à obstaculização do negócio.
Resumidamente, o processo de due diligence para imóveis rurais compõe-se numa avaliação detalhada de todas as informações e documentos pertinentes à esse imóvel, bem como aqueles do vendedor pessoa física ou jurídica, podendo assumir enfoques de natureza jurídica, ambiental, fiscal, contábil, dentre outros. Na esfera jurídica, que neste caso nos interessa um pouco mais, a due diligence para imóveis rurais tem a capacidade de indicar os pontos críticos mais relevantes existentes na estrutura jurídica do negócio, revelando todos os passivos, sejam de natureza judicial ou administrativa, com o objetivo de mitigar todos os riscos mapeados e identificados no processo.
A DDL é iniciada com a auditoria documental da situação do proprietário ou possuidor do imóvel, bem como de seus antecessores na cadeia dominial, a depender da espécie de contrato que se pretende firmar. O foco da diligência está vinculado ao objetivo negocial do consulente, inclusive, a espécie contratual pretendida. Diante das circunstâncias encontradas e do direcionado na negociação, esta poderá sofrer mudanças de foco no decorrer da auditoria sob o prisma de manter a viabilidade do negócio.
No momento contemporâneo, obter referências sobre a idoneidade das partes e a origem da quantia utilizada é crucial aos envolvidos, evitando-se responsabilizações no âmbito criminal, a exemplo de condutas tipificadas como lavagem de dinheiro.
Um exemplo para esse caso poderia ser quando um vendedor tem dívidas e portanto está insolvente, já a compradora não tem lastro financeiro, ou seja, como não declara imposto de renda, não tem como comprovar que de fato tem dinheiro para a compra. Então, um credor pode acabar alegando que é conluio para o vendedor salvar aquele imóvel das dívidas, sendo ela a laranja.
Assim, torna-se indispensável analisar as diversas certidões, visando atestar a existência ou não de ônus reais (como hipoteca, usufruto, alienação fiduciária etc.), cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, gravames (como penhoras, restrições administrativas, ausência de quitação etc.) constituídos sobre o imóvel rural e, por fim, a existência de registros de citações relativas a ações judiciais reais (como usucapião, hipotecária e/ou ações pessoais reipersecutórias, entre as quais a mais comum é a ação pauliana – fraude contra credores), tudo a fim de evitar que o comprador seja surpreendido por questões que possam comprometer o negócio realizado.
O ponto de partida para definir qual ou quais pessoas que serão investigadas numa auditoria DDL é a análise dos documentos do imóvel, tais como título aquisitivo, a matrícula do cartório do registro de imóveis, o contrato particular, o formal de partilha, etc.
Por meio dos documentos pessoais, certidões extrajudiciais e dos órgãos distribuidores do poder judiciário, há investigação dos passivos que possam recair sobre o imóvel através da análise da situação no âmbito societário, fiscal, previdenciário, ambiental, trabalhista, criminal e patrimonial em geral da pessoa proprietária e/ou possuidora. A análise de riscos visa evitar as consequências decepcionantes advindas da incapacidade civil, ausência de representatividade e suprimento judicial, insolvência civil atrelada à fraude contra credores e à fraude à execução, dentre outras.
A matrícula ou transcrição imobiliária constante no registro público é o documento mais importante a ser analisado, e norteia quem possui a legitimidade para dispor do bem, isto é, quem é o atual proprietário em matrícula. Na certidão de inteiro teor e de cadeia sucessória de aquisições é possível verificar a legalidade do registro atual e dos anteriores, a continuidade das transmissões e, principalmente, se há constrições e gravames prejudiciais que coloquem em risco a finalidade pretendida pelo consulente no negócio jurídico.
Surpresas infelizes, tais como a penhora, o arresto, a indisponibilidade, o proprietário falecido sem formal de partilha registrado e a situação de ações reais ou pessoais reipersecutórias podem ser evitadas com a DDL.
Uma das características mais peculiares dos negócios de compra e venda de imóveis rurais e comumente enfrentada pelos adquirentes alude à existência de dívidas que afetam o imóvel e de restrições vinculadas ao nome do alienante, pois as operações de financiamento, sejam para custeio ou investimento, contemplam garantia hipotecária ou pignoratícia ou, ainda, mediante aval. Nota-se uma maior incidência em relação à garantia hipotecária, pois, sem dúvida alguma, a melhor garantia que o proprietário de imóvel rural pode oferecer ao credor é o seu próprio imóvel.
Por vezes, o imóvel pretendido pode estar 100% livre e desembaraçado, mas o vendedor pode estar em situação de iliquidez (insolvente), assim a compra e venda também corre o risco de ser anulada por eventuais credores.
Nos contratos agrários típicos de arrendamento e parceria rural, como também nos atípicos de compra e venda de produção futura, contratos aleatórios, comodato rural, cessões de direitos possessórios etc., a DDL é de suma importância para que o produtor não seja surpreendido com a perda da posse direta e, a depender das situações jurídicas específicas, das benfeitorias, construções e acessões. Dentre várias situações, dívida não adimplida oriunda de crédito rural, com garantia real vigente e registrada na matrícula, é situação de risco e de recomendações pertinentes para quem pretende produzir no imóvel de terceiro devedor mediante contratos agrários. Não obstante, a DDL é de grande importância para a elaboração das minutas de contratos preliminares e da escritura pública definitiva.
Uma curiosidade sobre contratos de arrendamento rural é que a legislação geral comum, o Código Civil, exige para os contratos em geral, a assinatura de apenas duas testemunhas, a fim de que o documento tenha força executiva, ao passo que a lei de arrendamento rural exige a assinatura de quatro testemunhas.
Há uma ilusão defendida por muitos de que contrato com firma reconhecida em cartório é garantia. Contudo, isso, isoladamente, não significa nada. A garantia não está no reconhecimento de firma, mas no conteúdo do contrato, algo que será melhor alocado, caso feita uma DDL.
De igual forma, a escritura pública em registro de imóveis, por si só, não é garantia. Pois é dever que sejam apresentadas inúmeras certidões, que por vezes, por negligência, o próprio cartório de registro de imóveis dispensa, sendo que essa dispensa também esvazia o comprador da boa-fé e das diligências básicas, podendo ser impugnado por credores, outros verdadeiros proprietários, possuidores, etc.
Deve-se analisar outras conjunturas, tais como a situação dominial da terra, a existência de conflito agrário no imóvel ou em imóveis confrontantes, verificando se há ações possessórias, reivindicatórias, discriminatórias e de usucapião. Tudo para evitar surpresa após a implantação de cultura e investimentos na terra.
Contingências de ordem ambiental devem ser criteriosamente observadas no processo de due diligence para imóveis rurais, sobretudo aquelas que referem-se a eventuais passivos, como: Reserva Legal (RL), Áreas de Preservação Permanente (APP), autuações, intervenções, Termos de Ajuste de Conduta (TACs), dentre outros.
Sob o ponto de vista jurídico, portanto, é possível afirmar que a due diligence objetiva:
a) Apontar riscos e passivos legais, oriundos de demandas administrativas e/ou judiciais identificadas, viabilizando e descrevendo a dimensão das responsabilidades;
b) Indicar a configuração e estratégia da transação mais adequada (modelo de negócio);
c) Identificar as medidas cabíveis e eficazes à mitigação ou supressão dos riscos identificados.
Importante destacar que, no âmbito do Direito Ambiental, a prevenção se apresenta ainda mais relevante.
Isto porque o entendimento dos tribunais se assentou no sentido da responsabilização do adquirente pela recuperação de áreas degradadas existentes no imóvel adquirido. Ou seja, ainda que o adquirente não tenha contribuído a ocorrência do dano ambiental, caberá ao novo proprietário a reparação.
Ademais, a vigência do novo Código Florestal, impõe obrigações aos proprietários – como o Cadastro Ambiental Rural – que acaso descumpridas podem impactar na atividade econômica desenvolvida na área além de expor o proprietário à eventual fiscalização ambiental com aplicação de sanções.
O exame da origem do título, de igual forma, se mostra relevante, a fim de identificar eventuais disputas judiciais sobre a titularidade da área, ou mesmo, a sobreposição ou deslocamento do imóvel, muito embora, se admita, que com o advento da obrigatoriedade do georreferenciamento tais dissabores tenham sido mitigados.
Prosseguindo na investigação, o levantamento fiscal se apresenta de vital importância à viabilidade do negócio, especialmente, se considerarmos que a existência de dívidas tributárias poderá resultar em constrições e tornar o negócio impraticável.
A DDL nos ramos dos direitos imobiliário e agrário é auditoria documental anterior a quem pretende fechar qualquer negócio jurídico imobiliário e agrário, com estudo de viabilidade do objeto pretendido, análise de riscos e soluções viabilizadoras para o fechamento da negociação, sempre com foco na segurança jurídica do consulente.
Por outro lado, destaca-se que, apesar da due diligence para imóveis rurais ser um processo opcional, ela se mostra importante em vários aspectos e o principal é evitar surpresas desagradáveis após a finalização do negócio.
É importante salientar, em vista da compra e venda de imóveis rurais, que o simples fato de uma propriedade rural estar totalmente regular, torna ela mais valorizada no mercado, algumas vezes chegando a valer até 30% a mais.
Assim, a intenção da “due diligence” é a elaboração de amplo estudo sobre da “coisa” negociada, apontando não apenas os riscos envolvidos, mas as oportunidades e meios legais existentes a resguardar as partes envolvidas e a manter íntegro o negócio formalizado.
Ao final, o resultado desse trabalho propicia ao adquirente ou ao corretor de imóveis/imobiliária revisar todas as informações prestadas pelo vendedor sobre a propriedade, objeto do negócio jurídico, validando ou não a exatidão de tais informações, identificando eventuais riscos para o processo de negociação que se inicia.
Do ponto de vista do comprador, isso significa maior segurança na aquisição do bem. Já, do ponto de vista do corretor, agilidade na negociação e, portanto, bons negócios.
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Este artigo teve uma muito valiosa contribuição da advogada e amiga Kamila Meneghel, a qual atua desde 2013 principalmente na área do direito preventivo.
Muito bom e bem esclarecedor.
Item de bastante relevância que contribuí para uma melhor visão do assunto às pessoas leigas.
Muito obrigado Jairo! Fico feliz em poder contribuir para o desenvolvimento deste mercado 🙂